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Artigo: Perca as Esperanças Enquanto Há Tempo – Uma releitura dos valores contemporâneos

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Eu deveria ter uns cinco anos de idade quando ganhei meu primeiro carrinho de controle remoto. Estava deslumbrado. Dormia e acordava pensando nele. Desejei tanto, tanto, que acabei doente. Não era falta de brinquedos, minha cômoda tinha vários bonecos, jogos etc. Porém, queria aquele: a miniatura de um porsche azul com faixas pretas. Lindo! Para os pais é dolorido saber o motivo do filho estar jururu e não fazer nada Os dias transcorreram e após muita insistência… ganhei o “bendito” carro. Não podia acreditar, fiquei muito feliz. Agradeci a surpresa e corri para brincar na garagem. Todo mundo, de alguma forma já passou ou passará por isso, na situação do adulto ou da criança – é inevitável. Sabe o mais engraçado? Após duas semanas, o tão esperado porsche foi esquecido no canto da lavanderia. Com a mesma intensidade que veio a febre, ela também desapareceu.

Cada vez que surge o desejo, implicitamente existe a esperança de que ao realizá-lo seremos felizes. Há uma crença nesse sentido, do contrário não gastaríamos nenhuma energia para conseguir. Lógico que um pirralho não faz conjecturas dessa natureza – no fundo, eu tinha certeza que o pedaço de plástico azul me proporcionaria bem-aventurança e resolveria meus problemas naquele momento. Éramos inocentes, não tínhamos noção sobre a realidade e nem seu funcionamento. Ninguém fala para uma criança:
– Olha! Junto ao desejo se esconde a frustração.

A verdade é que ela não entenderia. Crescemos esperançosos, obstinados no futuro, trocando um objeto de cobiça por outro: de um carrinho de controle remoto para uma bicicleta, de um beijo da garota do colégio a uma vaga na faculdade, do cargo de gerente a uma casa em algum condomínio pomposo. Lá se foram quase quatro décadas de uma biografia – batalhando com unhas e dentes para concluir que não está satisfeito, que não é feliz. Uma explicação razoável para o elevado índice de suicídio nos países de primeiro mundo. Claro! O pobre ainda tem a fé – interpretando do jeito vulgar a palavra – de “vencer” na vida, enriquecer, encontrar a sua “metade da laranja” e assim por diante.

Mas calma, o delírio da esperança não terminou. Somos brasileiros, lembra? Não desistimos nunca! Temos imaginação de sobra. Depois de experienciar inúmeras frustrações decorrentes das expectativas, emerge do fundo da alma o “SUPER-DESEJO”, que chamaremos de SONHO. Não precisa ser nada construtivo. Qualquer futilidade serve, desde que seja “level hard” – uma ambição difícil de atingir: um título de PhD, uma viagem espacial, ficar famoso ou sei lá o que as pessoas sonham. Agora temos uma “razão de viver” novamente. Algo distante para buscar, e o pior que pode acontecer é alcançarmos.

Não duvido do potencial humano. Quando colocamos um pensamento na cabeça vamos até o fim, ou até percebermos que é nós que estamos próximos do fim. Então o diálogo muda: o indivíduo que outrora ansiava pelos brinquedos, mulheres e as honras, já não se importa. Está velho. Logo morrerá e tudo que obteve durante a existência NÃO poderá levar, mesmo se for um rei, o papa ou um bilionário. É comum nos últimos anos de vida que o sujeito caia na real em relação à sua finitude. Aqui se encaixa bem a frase do Dalai-lama (chefe do estado e líder espiritual do Tibete):

“Vivemos como se nunca fôssemos morrer e morremos como se nunca tivéssemos vivido”

Entende? Construímos edifícios em cima de pontes (locais de passagem) e tentamos registar nossos nomes na água fluída. Nessa altura do campeonato enxergamos o equívoco. Quantas primaveras perdidas! Só uma coisa permaneceu rígida e tenaz… A ESPERANÇA. Dizem que é a última que morre, né? Concordo. Na mitologia da Grécia, é a única mazela humana que restou dentro da caixa de Pandora.

Ele tem 70 anos agora. O câncer, a osteoporose, a diabetes começam a aparecer e na medida em que se agravam as doenças, aumenta a esperança por uma existência pós-sepulcro. Repare que os templos religiosos estão abarrotados de avôs e avós. São crianças de cabelos brancos que deixaram de acumular dinheiro para amontoar virtudes, que por sua vez (geralmente) são um meio de garantir o paraíso e não um fim em si mesmo. É o medo. Possivelmente eu farei igual, repetirei o desespero. O que nos resta? Perdemos tudo, menos a esperança. Ela é pegajosa. Esperança significa esperar. Passamos a vida esperando um amanhã que nunca chega. Soa frio e desiludido. No entanto, a desilusão pressupõe não estar iludido. É o remédio amargo, o chacoalhão para acordar de um sonho e aproveitar o hoje. Temos tempo de morrer sem a ânsia de ter vivido mais e a contradição dessa frase é somente em nível de linguagem, pois a qualidade de desejar não ter desejo é outra. Não deveria ter o valor semântico correspondente. Enquanto gritam por aí:

– Não abandone seus sonhos. Não perca as esperanças.

Eu digo o oposto:

“DESISTA AGORA DOS SEUS SONHOS E PERCA TODAS AS ESPERANÇAS”

Os planos são armadilhas sociais que nos introjetaram como uma ideia de um futuro melhor. Não é estranho? Desde que me conheço por gente escuto conselhos do tipo:

– Corra atrás! Você ainda é novo, depois é complicado.

De geração em geração, as pessoas vêm pregando abstrações malucas, para no leito hospitalar se arrependerem de ter trabalhado muito, de ter corrido em demasia, de ter ficado pouco com os entes queridos e etc. E tem eruditos afirmando que somos racionais.

Criar objetivos na vida sempre leva a dois desfechos: frustração de não conseguir realizar ou frustração de conseguir e ver que não mudou bulhufas profundamente. A esperança é um presente de grego. Reflita a sua própria história. Você esperou durante o tempo em que o ponteiro do relógio andava apenas substituindo metas. Por isso a sensação de não ter feito nada significativo. Enquanto não nos conscientizarmos de que só falta a nossa PRESENÇA para legitimar o termo PRESENTE, pularemos de galho em galho como os primatas.

 

Ismael Tavernaro Filho

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A ANÁLISE SINTÁTICA, artigo de Bahige Fadel

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A ANÁLISE SINTÁTICA

Há algumas semanas, um amigo fez um comentário sobre a língua portuguesa. Disse que é muito complicada e cheia de regras. Acrescentou que deveria haver mais liberdade, para que as pessoas pudessem se comunicar.

Vamos por partes. Se algo é individual, particular, pode ter regras ou não. Depende do único envolvido. Por exemplo, alimentação. Se uma pessoa quiser seguir determinadas regras de alimentação, é uma decisão dele. Alguém pode até orientar, mas é a pessoa que decide se seguirá regras ou não. É só a saúde dele que está em questão. Mas se algo é público, tem que haver regras, para que não se transforme num caos, numa bagunça. Imagine uma escola que funcione sem regras. Imagine o trânsito sem regras. Seria um desastre total.

O mesmo acontece com um idioma, no caso, a língua portuguesa. A língua é de uso público. Assim, tem que haver regras. Caso contrário, viraria uma torre de Babel.

Faço esse comentário para chegar à análise sintática. Ela é importante ou não? Salvo melhor juízo, é muito importante. Principalmente para determinados níveis de comunicação. Seria inaceitável, por exemplo, um advogado numa peça jurídica, escrevendo ‘não pode ser confiável esses fatos’. Esse hipotético advogado não sabe que o sujeito da frase é ‘esses fatos’ e que o verbo concorda com o sujeito.

Segundo a gramática, sintaxe é parte da gramática que estuda as palavras enquanto elementos de uma frase, as suas relações de concordância, de subordinação e de ordem. Isso quer dizer o seguinte: sintaxe é o estudo da construção das frases. Vejam essas duas frases:
– Vendem-se diversos produtos.
– Desconfia-se de diversos produtos.

A análise sintática explica por que no primeiro exemplo o verbo tem que ficar no plural e no segundo, no singular. Já vimos que o verbo concorda com o sujeito. Na primeira frase,o verbo é transitivo direto. Assim, a palavra se funciona como partícula apassivadora e, assim, a frase está na voz passiva.Na voz passiva, o sujeito sofre a ação verbal. O que está sofrendo a ação de ser vendido? ‘Diversos produtos’, é claro. O sujeito está no plural, o verbo vai para o plural. Já no segundo exemplo, o verbo ‘desconfiar’ é transitivo indireto. Por isso, a palavra ‘se’ é índice de indeterminação do sujeito. Assim, o sujeito mudou. É um sujeito indeterminado e a frase está na voz ativa. Quando o sujeito é indeterminado, o verbo com a palavra ‘se’ fica na terceira pessoa do singular. Ressalto que isso ocorre com o índice de indeterminação do sujeito. Se não houver esse índice, para termos o sujeito indeterminado, colocamos no verbo na terceira pessoa do plural: Desconfiam de diversos produtos.

Não podemos esquecer que a análise sintática não é um gesso. A linguagem coloquial, por exemplo, permite certas liberdades. ferNão podemos escrever que existe a língua e existe a linguagem. A linguagem é a forma como se usa a língua. A linguagem é usada para a comunicação verbal. Não adianta falar muito chique, se ninguém entende.

BAHIGE FADEL

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VALE A PENA? Artigo de Bahige Fadel

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Sei não. Há tantas coisas que eu achava que valiam a pena. Hoje, já não tenho tanta certeza. É que a gente tanto bate nas mesmas ideias achando que haverá algum resultado positivo. Quando vê, nada mudou. A gente gasta tempo e espaço. Só que nada muda. Ou quase nada muda.
Vale a pena falar da corrupção no INSS? Bilhões foram tirados dos aposentados. Vale a pena falar disso? Vai mudar alguma coisa? Vai ficar tudo limpinho? A corrupção desaparecerá num passe de mágica? Os corruptos serão presos? Não haverá mais corrupção no serviço público?
Há três tipos de corrupção, que existem na história do Brasil desde o período colonial: a ativa, a passiva e a concussão. A ativa é quando alguém oferece um benefício a outro. A passiva é quando alguém aceita o benefício oferecido, E a concussão envolve a exigência de um benefício indevido por parte de um funcionário público. Os três tipos existem, no Brasil, aos borbotões. Sim, usei ‘aos borbotões’ (expressão antiga), para dizer que isso é antigo na história do Brasil. Soluções? Quase nunca. Vai haver solução no caso do INSS? Vão acusar um e outro, mas a chefia da caterva, ou a malta, ou a súcia (escolham o termo) ficará ilesa. Assim, vale a pena?
Vale a pena falar sobre o bebê reborn? Está na moda, mas vale a pena? Vejam algumas manchetes publicadas na mídia brasileira sobre o tal bebê reborn: MULHER É DEMITIDA APÓS PEDIR AFASTAMENTO DO TRABALHO PARA CUIDAR DE BEBÊ REBORN; MULHER TENTA VACINAR BEBÊ REBORN EM UBS DE SC E É IMPEDIDA; MORADORA DE GUABIRUBA TRANSFORMA A VIDA AO ADOTAR BEBÊ REBORN COMO FILHA.
Tá bom. Chega. Já entenderam o que eu quis dizer, né? Vale a pena gastar energia para comentar esses casos? Se eu fizer um comentário profundo, utilizando conceitos sociais e psicológicos, vai resolver alguma coisa? Essa turma ‘normal’ vai parar de fazer essas loucuras? Claro que não. Então, não vale a pena.
Vale a pena falar sobre o tráfico e o consumo de drogas, no Brasil? Vale a pena? Há quanto tempo você ouve falar desse assunto? Desde a sua infância, com certeza. E já resolveram alguma coisa? Muito pelo contrário. Não tenho informações atualizadas, mas consta que o tráfico de drogas no Brasil gera lucros aproximados de 15 bilhões por ano. Deve ser bem mais.
Apreendem grande quantidade de drogas. A mídia dá destaque. Prendem um chefe do tráfico. A mídia dá destaque. Resolveu-se o problema? Não. O mercado ilegal de drogas está sempre crescente.
Sabem o que vale a pena? Pelo menos, na minha idade, vale a pena ser correto, parecer ser correto, mostrar que vale a pena ser correto, provar que você pode ser bem sucedido, sendo correto. Confesso que já não tenho forças ou disposição para fazer mais. Isso é suficiente? Se muitos fizerem desse jeito, pode ser. Mas tem que ser muita gente.
BAHIGE FADEL

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INTOLERÂNCIA, artigo de Bahige Fadel

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INTOLERÂNCIA
Infelizmente, vivemos numa época de intolerância. De perigosa intolerância. De criminosa intolerância. O diálogo cedeu lugar para a intolerância. Para usar o verbo correto, melhor dizer que a intolerância expulsou o diálogo. Diálogo só se for com pensamentos iguais. Ninguém mais tolera pensamentos diferentes. Um pensamento diferente é motivo para agressões físicas e/ou morais. Um pensamento diferente é motivo para o fim de uma amizade.

Antigamente se dizia que gosto e religião não se discutem. E era algo muito lógico. Cada um tem determinado gosto para diversas coisas. E isso independe da lógica. É, simplesmente, gosto. Que lógica há em gostar do azul e não do vermelho? Nenhuma. Gosto é gosto. Simplesmente, a pessoa olha para o azul e sente prazer. O que não acontece quando olha para o vermelho. A religião é uma escolha individual. Uma pessoa escolhe a religião católica. Outra escolhe a protestante. Outra, ainda, não escolhe religião alguma. Discutir o quê? Existe alguma lógica em ser inimigo de uma pessoa só por ter escolhido uma religião diferente da minha? Nenhuma.

E essa intolerância gera outros sentimentos e ações indesejáveis. O intolerante odeia o diferente. Odeia aquilo que não representa a sua ideia. O intolerante despreza o diferente. Ele ofende e agride qualquer diferença. Ele não argumenta, não explica, não avalia. Ele simplesmente agride. Com isso, ele não tem amigos. Tem cúmplices. Tem companheiros de gangue. Sim, não se formam grupos de amigos, mas gangues com planos de dificultar a vida de outras gangues.

Já assistiu a alguma reunião do Congresso Nacional? Não se discutem ideias com argumentos e avaliações. Agride-se. Ofende-se. Gritam-se palavras, como se o volume da voz significasse a verdade.

E essa intolerância ocorre em todos os níveis sociais, em todas as idades. Desconfio que até nas famílias essa intolerância é uma constante.
E como acabar com tudo isso? Muito difícil. Em primeiro lugar, só é possível acabar com a intolerância quando houver vontade individual e vontade coletiva. A partir dessa vontade, desse desejo, começam as ações. A primeira ação é a aceitação do que é diferente. Se você é liberal, não precisa concordar com o comunista, mas precisa aceitar que ele tenha as ideias dele. Pode argumentar com ele, para mostrar que suas ideias são melhores, mas não pode exigir que ele tenha as suas ideias liberais. Ele pode fazer o mesmo com você. E mesmo que ninguém consiga mudar a ideia do outro, não precisam ser inimigos.

Outro aspecto é o egocentrismo. As pessoas estão se tornando cada vez mais egocêntricas. Só conseguem olhar para seu próprio umbigo. Esse egocentrismo gera a sensação de superioridade. Se você só consegue olhar para si mesmo, começa a achar-se o melhor de todos. Se se acha o melhor de todos, para que ouvir os inferiores? É preciso, portanto, aprender a ver os outros. A perceber o que os outros têm de bom e aprender com as virtudes deles.

Não queria citar a mídia, mas é inevitável. A mídia tem que ajudar. Deixar de valorizar os grandes males e dar espaço para as grandes virtudes é um bom começo.

É difícil, mas é preciso ter paciência e vontade de criar um mundo melhor. Isso só se consegue com pessoas melhores.
BAHIGE FADEL

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